RECORTES DA NOSSA HISTÓRIA: PANFLETOS INCENDIÁRIOS DA INDEPENDÊNCIA II (continuação).

 

Em 1821, os diversos projetos de Brasil se apresentaram de forma clara na arena pública, depois que o rei D. João VI, que vivia no Brasil, foi obrigado pelo Parlamento português a retornar para a Europa. Ao forçar a volta de D. João VI, o Parlamento português esperava devolver o poder a Portugal e reduzir o Brasil à velha condição subalterna. 

Algumas províncias brasileiras aderiram ao projeto de recolonização. Esse desejo foi particularmente forte no Grão-Pará, no Maranhão, no Piauí e na Bahia, que preferiam subordinar-se a Lisboa a sujeitar-se ao Rio de Janeiro, conforme panfleto datado de junho de 1822 (às vésperas do grito do Ipiranga) onde o autor do texto, o  português Ignácio José Corrêa Drumond, que vivia no Brasil recorre ao argumento do medo: se o reino luso-brasileiro se partisse, o Brasil independente não disporia de forças militares suficientes para impedir insurreições escravas. Segundo ele, o país poderia se transformar num novo Haiti, aludindo a revolta dos escravizados naquele país.

O desejo de união com Portugal nutrido pelas quatro províncias do Norte tem explicação. Os comerciantes do Grão-Pará, do Maranhão e do Piauí negociavam (e lucravam) muito mais com Lisboa do que com o Rio de Janeiro. Isso porque, em razão das correntes marítimas, as viagens de Belém ou São Luís para a foz do Rio Tejo eram mais rápidas do que para a Baía de Guanabara.

No caso da província da Bahia, a elite local nutria rancor pela elite carioca. Os baianos das classes abastadas desejavam recuperar pelo menos parte do prestígio e do poder que haviam perdido no século anterior, quando o Marquês de Pombal transferiu a capital colonial de Salvador para o Rio de Janeiro.

Outro projeto que se apresentou nos tempos da Independência, também revelado pelos panfletos contidos em Vozes do Brasil, foi o daqueles que não queriam a subordinação a Lisboa nem ao Rio de Janeiro. Os defensores mais radicais dessa ideia foram os pernambucanos. Para eles, a sua província deveria separar-se tanto de Portugal quanto do restante do Brasil e transformar-se numa república independente.

Para que seu projeto de Brasil vingasse, D. Pedro contou com o apoio decisivo do Rio de Janeiro, que não aceitava ser rebaixado de capital do Reino a capital da Colônia, e das vizinhas Minas Gerais e São Paulo. Em 1822, após o célebre Dia do Fico, o príncipe deixou o Rio e percorreu essas duas províncias costurando a aliança política necessária para a independência. É por essa razão que ele se encontrava em São Paulo no dia 7 de setembro, quando emitiu o brado retumbante às margens do Riacho do Ipiranga.

Como já dito na 1ª parte, os chamados “panfletos da Independência” são publicações obtidas em bibliotecas no Brasil, em Portugal e no Uruguai, e que já vêm sendo objeto de alentados estudos históricos coordenados há mais de uma década pelo historiador José Murilo de Carvalho. Até agora, entretanto, o conjunto de folhetos doados em 1916 à Universidade Católica da América, em Washington, pelo jornalista, escritor, historiador e diplomata brasileiro Manoel Oliveira Lima (1867-1928) estão praticamente inexplorados. E tiveram uma escassa visibilidade antes de setembro de 2018, quando o público pôde observar alguns de seus exemplares na biblioteca Oliveira Lima, mantida pela universidade, durante exposição alusiva à Independência do Brasil.

Em decorrência das comemorações do bicentenário da independência o Senado Federal através do seu Conselho Editorial firmou um protocolo de cooperação com a universidade para a publicação fac-similar dos panfletos, que continuam fisicamente nos Estados Unidos.

Não deixe de ler a primeira parte desse texto. 

Imagem: Trecho de panfleto distribuído no Recife em fevereiro de 1822 descreve desejo de liberdade dos pernambucanos (imagem: reprodução/Vozes do Brasil)



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