RECORTES DA NOSSA HISTÓRIA: OS DEGREDADOS (BRASIL – PURGATÓRIO DA METROPOLE?)

 Os degredados começaram a povoar o Brasil desde a viagem de Cabral em 1500 quando a carta de Pero Vaz de Caminha anuncia que dois ficaram em terras brasileiras. Inicialmente foi usado para ajudar a povoar e posteriormente nos séculos XVII e XVIII era mais um castigo. Com a descoberta de ouro no século X VIII nas Minas Gerais o afluxo de gente para a colônia cresceu enormemente e o degredo foi quase banido no Estado do Brasil, sendo os degredados enviados para Santa Catarina (Florianópolis foi fundada com o nome de Vila de Nossa Senhora do Desterro), Estado do Maranhão/Para (isso mesmo o Brasil se dividia em dois), Cabo Verde, Índia, Angola, Moçambique, etc. A transferência da família real para o Brasil em 1808 também contribuiu para a redução do número de degredados, que segundo estimativas girava em torno de 300 a 400 indivíduos por ano.

Com exceção do degredo para as galés, todas as formas de degredo eram cumpridas em relativa liberdade, mas tratava-se, em tese, de uma liberdade vigiada, uma vez que a Coroa previa todo um sistema de vigilância sobre esses condenados, desde a sua partida até o final da pena. É claro que a aplicação dessa vigilância em terras tão vastas revelou-se, na prática, pouco eficaz e os degredados acabaram podendo contar com uma liberdade de ação muito maior do que originalmente previa o sistema de degredo.
Dom João III após as cartas de doações das capitanias hereditárias declarou em alvará de 1535 que os degredados antes enviados para as ilhas São Tome e Príncipe viriam agora para o Brasil.
Contudo cabe mencionar Emília Viotti da Costa que pondera: “… o número de criminosos por mais severa que fosse a legislação da época não seria nunca muito elevado e que dentre aqueles que cometiam crimes, nem todos estavam sujeitos à pena de degredo. Muitos, embora neste caso, furtar-se-iam às condenações, refugiando-se nos coutos ou homízios, tão freqüentes em Portugal. Esses elementos, portanto, não deveriam ter constituído o principal núcleo dos primeiros povoadores do Brasil.” (Primeiros povoadores do Brasil, p. 22, in Revista de História, vol. 13, número 27, 1956). Os poetas Bocage e Camões foram degredados pela coroa portuguesa para a Índia.
É sempre bom lembrar que outros projetos coloniais foram realizados com semelhantes estruturas como a Austrália que foi inicialmente uma colônia penal da Inglaterra. O que são as guianas inglesa, francesa e holandesa? O que é a Índia, após 300 anos de ocupação inglesa? Um dos mais pobres países do mundo. O que foi a África do Sul por décadas? O que se tornou a Indonésia, ex-colônia holandesa que a Holanda manteve em estado de inferioridade. Os próprios holandeses no Nordeste brasileiro se moveram pela cupidez e ganância da Companhia das Índias Ocidentais. Enfim, todo projeto colonial teve cunho perverso e exploratório de riquezas e mão de obra escrava.
Falar em degredo não significa que o Brasil tenha sido colonizado somente por degredados, pois a grande maioria dos colonos brancos não detinha essa condição.
Uma das histórias de degredado mais impressionantes refere-se a dos fidalgos D. Simão Castelo Branco e D. Jorge de Meneses – conhecido no Brasil como o homem de maluco.
D. Jorge de Meneses era governador das ilhas Molucas, na atual Indonésia, e nessa condição mandou envenenar a agua do poço onde os espanhóis bebiam e que disputavam as ilhas com os portugueses. Outro português alertou os espanhóis e não permitiu a tragédia e D. Jorge matou o delator Gaspar Pereira. Em agosto de 1530 D. Jorge mandou decapitar o “quichil” (espécie de sultão) da ilha Reves. Houve uma insurreição e Gonçalo Pereira vindo da Índia prendeu D. Jorge e o enviou para Lisboa. D. Jorge de Meneses veio parar no Brasil em 1534 com o donatário da capitania do Espirito Santo, Vasco Fernandes Coutinho. Em 1539, Vasco Fernandes voltou a Portugal e deixou no comando da capitania D. Jorge Meneses, que foi em busca no interior de escravizar os Goitacazes. Seu destino foi a morte em combate com os índios, que destruíram os estabelecimentos portugueses na capitania. Vasco Fernandes Coutinho depois voltou ao Brasil e encontrou sua capitania arrasada, morreu na miséria. Dom Jorge de Menezes é nome de rua em Vila Velha/ES.
Imagem: Vista Parcial da Cidade de Nossa Senhora do Desterro – Atual Florianópolis, aquarela sobre papel de Victor Meirelles de Lima, 1846.

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