RECORTES DA NOSSA HISTÓRIA: IÇA-MIRIM (ESSOMERIQ) O GUARANI QUE VIROU NOBRE FRANCÊS.

É sabido que os franceses frequentaram as costa brasileiras durante o Brasil Colônia. Em junho de 1503 uma nau comandada pelo comerciante Binot Paulmier de Gonneville, a nau L’Espoir (a esperança) zarpa de Honfleur, na Normandia, em busca das “riquezas das Índias”. Depois de enfrentar correntes marítimas, ventos inclementes e um surto de escorbuto a bordo, a tripulação restante aporta no que hoje é São Francisco do Sul, em Santa Catarina. Uma tribo Carijó (nome antigo dos Guarani) os recebeu com cordialidade. Ao partir levando pau-brasil e outras raridades, Gonneville levou consigo o jovem Iça-Mirim (Essomeriq, corruptela do francês) de quinze anos, filho do cacique Arosca, prometendo devolver o rapaz instruído nas artes europeias, em especial nas técnicas das armas de fogo, ao fim de 20 luas.

Somente no século XIX A Relação da viagem do capitão Gonneville, declaração apresentada pelo viajante em 1505 às autoridades francesas, foi revelada. A Relação contém a narrativa pormenorizada das viagens de ida e de volta, e uma longa parte intermediária referente à estada na terra dos Carijó.

No retorno a França, no Canal da Mancha, embarcações piratas teriam avistado o navio L’Espoir e, sem dó e piedade, o atacaram e o saquearam, fazendo que seus destroços afundassem pelas águas geladas.

Gonneville e Iça-Mirim sobreviveram juntamente com mais 26 tripulantes, nadando e retornando a pé para Honfleur na França. Como o navio teve toda a carga saqueada o capitão ficou impossibilitado financeiramente de cumprir sua promessa de devolver Iça-Mirim ao Brasil.

Gouneville rebatizou Iça-Mirim como Binot, que se casou com uma das nobres parentas do capitão, Marie Moulin Paulmier. O casal teve 14 filhos e o índio viveu na França até os 95 anos.

Catorze gerações depois, passados mais de 500 anos, a francesa Dorothée de Linares, em 2018, retornou a São Franscisco do Sul/SC, atrás de vestígios de Içá-Mirim, supostamente o primeiro índio brasileiro a cruzar o Atlântico.

No Brasil a francesa encontrou em São Francisco do Sul uma rua com o nome do navegador Goneville e outra com o nome de Iça-Mirim e ficou espantada com o grau de marginalização das comunidades indígenas na sociedade brasileira. “É uma situação dramática. Eles são invisíveis, não estão integrados ao resto do país. Na cidade que visitei, não os vi, a não ser pela família que se revezava entre pedir esmola e vender artesanato para os turistas no porto.”, consoante matéria da Folha de São Paulo : https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/10/descendente-de-indio-alcado-a-nobreza-na-franca-refaz-passos-do-parente.shtml?origin=uol

Saiba mais sobre o tema em “Vinte Luas – Viagem de Paulmier de Gonneville ao Brasil: 1503-1505”, obra da professora da USP Leyla Perrone-Moisés de 1992 em que é narrado o périplo de Essomericq (cujo “nome francês”, não será por acaso, guarda um trocadilho com a pergunta “est-ce homérique?”, ou “isso não é homérico?”) e que foi premiada com o Jabuti de melhor ensaio ou biografia em 1993.

Imagem: Estatua de Iça-Mirim no Parque Ecológico Municipal de São Francisco do Sul/SC.


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