RECORTES DA NOSSA HISTÓRIA: PEDRO HATES HANEQUIM – BRASIL: O EDEN É AQUI.
Pedro de Rates Henequim, filho de mãe católica e pai calvinista, mediante complexos cruzamentos entre as religiões da sua infância, a cabala judaica e os mitos indígenas, ele criou uma fascinante e ameaçadora cosmologia que tratava, entre outros tópicos, da sexualidade dos anjos, da crença no poder das letras e da androginia da Virgem.
Pedro de Rates Henequim chegou a
Pernambuco em 1702 e logo em seguida se dirigiu às Minas Gerais, aos 20 anos,
permanecendo no Brasil até 1722. Viveu nas regiões de Sabará, Ouro Preto e
Serro do Frio, onde teria convivido com índios, escravos africanos, portugueses
que viajavam pelo Oriente, e com as idéias milenaristas do Padre Antônio
Vieira, difundidas na região através de manuscritos.
Por volta de 1740, Henequim se arvorou
em profeta e começou interpretações peculiares da Bíblia. "Graças à inspiração do Espírito Santo", julgava perceber
o imperceptível nas escrituras sagradas. Concluiu que Deus iniciou a criação do
mundo pelo Brasil e que aqui instalou o Jardim do Éden. A maçã, não escondia
nada de diabólico. O fruto proibido era outro, a banana. Deus se comunicava com
a corte celeste em português. E que os rios do Paraíso não eram outros que o
Amazonas e o São Francisco. Adão era indubitavelmente brasileiro. Criou-se no
ponto central do país, deixou pegadas perto da Bahia e tinha como descendentes
diretos os índios. Prova: a pele vermelha dos selvagens. Henequim acreditava
que o nome Adão derivava da palavra hebraica "adom", que significa
vermelho. Com base nas palavras de Cristo – “Regnum meum nom est de hoc mundo” – Meu reino não é deste mundo – e
do Apocalipse – “Vidi coelum novum, et
terram novam” - Eu vi um novo céu e uma nova terra, Hanequim cria que o
novo mundo bíblico era a América.
Localizado o Éden, cabe agora
recuperá-lo; aliás, a obra que afirmou estar escrevendo nesses que seriam seus
últimos anos de vida intitulava-se exatamente “Paraíso restaurado”. E isso
porque suas especulações edênicas se articulavam a outras, alimentadas não só
das leituras bíblicas, mas também das obras do padre Antonio Vieira, falecido
uns quarenta anos antes, que tratavam de um tema que o fascinou durante todo o
tempo de sua atividade e inclusive o levaria ao mesmo tribunal em que agora se
encontrava Henequim: o da instauração iminente do “Quinto Império” anunciado em
Daniel, passagem que ganhara vida e contornos especialíssimos naqueles tempos
em que Portugal buscava refazer e consolidar sua autonomia política. Porém, se
distancia do jesuíta num ponto fundamental, na hora de estabelecer a
localização dele: tal império “está próximo, há de ser nos Brasis, no lugar do
Paraíso Terreal” e não em Portugal, como achava Vieira.
Lembremos que a descoberta do
“Novo Mundo” há mais de 500 anos representou o contato da Europa com um
universo exótico e cheio de lendas (El dorado, As amazonas, etc), com um clima
tropical e com a mandioca, banana, goiaba, batata doce, milho, mel de abelhas
selvagens, araçá, jabuticaba, caju, pitanga, umbu, palmito, cajá, tomate, etc.
Como dizia a carta de Pero Vaz Caminha: aqui em se plantando tudo dá. Cristovão
Colombo e outros europeus representaram a América como uma terra imaculada, com
adoráveis frutos, clima tropical atrativo, que oscila entre as
temperaturas quentes e mais amenas. A diversidade de suas águas doces, também rejuvenescedoras,
estão presentes nos relatos acerca de Fontes da Juventude. O Éden bíblico
significativamente se assemelha a esses relatos. A América portuguesa em menor
grau foi influenciada por essas ideias e Hanequim foi o seu maior
representante.
Hanequim de forma ainda que não
intencional questionou o projeto colonial, afinal que sentido faz a colonização
que sangra a terra situada exatamente debaixo do trono de Deus? Se os autos
inquisitoriais nos dizem pouco ou nada sobre esta rebelde temática, obscuras
informações sugerem que Henequim se envolveu em movimentações para fazer do
irmão do rei D. João V, o infante D. Manuel, o soberano da então colônia
ultramarina.
Entre a volta de Henequim a
Portugal e seu contato com o lnfante passam-se quase 18 anos. O visionário é
preso em 1740, ao retornar de uma visita a D. Manuel. Após um ano preso na casa
de um Desembargador, Henequim foge, mas é recapturado dias depois. Transferido
para os cárceres do Santo Ofício, onde foi possível garantir o sigilo que o rei
exigia sobre o caso, passa a responder a processo por suas idéias religiosas.
Começa, então, o jogo de cartas marcadas, que só tem fim em 1744, com a
execução da sentença imposta pela Inquisição portuguesa.
Acusado de contrariar os dogmas
da Igreja em 21 de junho de 1744 a inquisição em auto de fé com a boca
amordaçada e trajando o sambenito dos hereges, diante da família real, foi
estrangulado. Seu corpo foi queimado, reduzido "a pó e cinza, de sorte que nem delle nem de sua sepultura possa
haver memoria alguma". Saiba mais em Um Herege vai ao paraíso – Plinio
Freire Gomes – Companhia das Letras.
Imagem: A Tentação de Eva.
Tapeçaria flamenga. Galeria dell´ Accademia. Firenze, Meados do século XVI.
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