RECORTES DA NOSSA HISTÓRIA: NATAL NA COLONIA.
Palácio de Coburgo, Viena,
Áustria, no frio dezembro de 1871: em carta à irmã, a princesa Isabel, a jovem
princesa Leopoldina descrevia a paisagem açucarada pela neve e revelava o
cotidiano da família real: “ocupadíssima com arrumações…vamos ao circo e depois
comprar a árvore de Natal!”. Já era hábito, então, que o pinheiro ostentasse
variados enfeites: fios de prata, bolas de vidro, pinhões dourados, pequenas
maçãs suspensas em redes e toda a sorte de bombons. Velas de cera colorida
ardiam durante o jantar e as crianças, bem comportadas, tinham direito a
presentes. É só a partir desta época, que as elites começam a copiar, nos
trópicos, os hábitos europeus.
Cidade de São Salvador da Bahia,
século XVIII: escravos apressados subiam e desciam as íngremes ladeiras que
levavam da Cidade Alta à Baixa. Na cabeça, pesadas cestas com perus vivos,
bolos e doces feitos em casa. No interior dos caçuás, seguiam bilhetes em
papéis recortados, assim como os “presentes” eram envoltos em folhas
cuidadosamente rendilhadas. Tocando os sinos colocados no portão e, num grande
sorriso, os carregadores anunciavam: “Siô branco manda uns presente…”.
Não tinha pinheiro nem neve, mas
o Natal era a festa mais importante do calendário popular do Brasil. Mestre
Câmara Cascudo, nosso maior etnógrafo, diz mesmo que as palavras “Natal” e
“festa” eram sinônimos. E que dezembro era passado em meio a um autêntico ciclo
de bailes, reuniões e ingestão de alimentos típicos, que terminavam a 6 de
janeiro, por ocasião do dia de Reis. O bumba-meu-boi, o boi-calemba, as
marujadas, os pastoris com suas lapinhas, as congadas e reisados preparavam,
cada um, num dia, a chegada da missa do galo. E até o fim do século XVIII,
muitas danças profanas, ao som de instrumentos rústicos, eram bailadas no
próprio interior da igreja. Do lado de fora, representava-se a Natividade, com
membros da comunidade no papel da Sagrada Família, dos Pastores e dos Reis
Magos. Enquanto isso, animais de verdade, pastavam tranqüilamente, em
improvisadas manjedouras. Cantos enchiam a noite, dando continuidade a uma
tradição musical que começou no século XI, em Portugal.
O hábito de remeter um “pão por
Deus” era comum. Espécie de ancestral dos presentes de hoje, consistia na troca
de comidas simbólicas, o pão, com seu simbolismo eucarístico e solidário, sendo
o favorito. Não faltou quem fizesse graça, nesta ocasião. O famoso poeta
baiano, Gregório de Matos, também conhecido por Boca do Inferno, num de seus
poemas ironizou uma freirinha do convento de Nossa Senhora das Mercês,
conhecido por seu laxismo. O título diz tudo: “A certa freira que mandou a seu
amante graciosamente por “pão por Deus” um cará”! A sugestão era óbvia. De
presente, ela queria algo parecido com o tubérculo.
Excessos eram comuns. Na letra de
um dos muitos bailes pastoris dançados na Colônia, os pastores e reis confessam
ao menino Jesus estarem “melados”, “chupados” com a cabeça pesada e
desmemoriados por causa de tanta bebida:
“Veja como estão vocês
De caiana tão tomados
Vocês não vêem o presepe
Como estão embriagados”.
O pecado menor de “bebedice” era
logo perdoado pelo Divino Menino. O relato poético, assim como outros
documentos do período, comprovam que o Natal de nossos antepassados era um
misto de sagrado e profano, onde a devoção espiritual e os excessos se
combinavam com as boas intenções. O Natal era a festa de todos, e, sobretudo, a
celebração do convívio e da solidariedade. Carne, arroz e pão eram distribuídos,
pelas irmandades religiosas, aos pobres. Ninguém ficava de fora da festa de
abundância. Nada a ver com nossas festas cada vez mais consumistas e
individualistas, de hoje!
Artigo transcrito do Blog da
historiada Mary Del Priore:
https://blogmarydelpriore.com.br/.../12/02/natal-na-colonia/
Imagem: Presentes de Natal de
Debret.
Comentários
Postar um comentário