RECORTES DA NOSSA HISTÓRIA: A IMPRESSIONANTE VIDA DA MULATA MARIA BARBOSA.
De acordo com testemunhas que a denunciaram, Maria Barbosa saiu de Évora, bastião dos jesuítas e da inquisição, degredada para Angola pelo crime de feitiçaria.
O processo inquisitorial movido contra Maria Barbosa, número 3382, que possui 389 fólios, mulher parda – por vezes descrita como mulata por seus delatores, vendedora de pão, natural de Évora, casada com o ourives João da Cruz, está disponível digitalmente ao público no site do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT): https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=2303336. Era filha de Belchior Francisco, almocreve, e Antônia Barbosa, ambos pardos alforriados. Seus pais tiveram três filhos, sendo que dois haviam morrido, ficando apenas Maria Barbosa.
Em Angola teria convido com contrabandistas europeus, traficantes de escravos, tendo sido novamente acusada de feitiçaria e alcovitagem tendo sido açoitada, pois a prática da adivinhação feita por Maria Barbosa através do alguidar com água era vista como pacto demoníaco. Novamente foi degredada e agora para Pernambuco.
Em Pernambuco viveu em parte remotas da capitania, como o Rio Grande e a Ilha de Fernando de Noronha, seu marido João da Cruz trabalhou como soldado e segundo o soldado da companhia do capitão Gonçalo Bezerra, Manoel Borges, 45 anos, foi público na capitania que Maria fez um feitiço para o marido em que ele dormiu por três dias, do sábado até a terça-feira(talvez seja um dos primeiros “boa noite cinderela” da Terra de Santa Cruz).
Em 1610, em Pernambuco, foi acusada de feitiçaria e prostituição, onde de acordo com os denunciantes também “levava mal caminho”, sendo degredada para Salvador. Do processo de Maria Barbosa se depreende de alguns depoimentos que ela não se curvou às regras morais ditadas pela Igreja, persistindo em seus “pecados”, mantendo as práticas mágicas em todos os lugares para os quais foi degredada.
Em Salvador, Maria Barbosa causou o maior “escanda-lo” por ter enfrentado o bispo do Brasil, D. Constantino Barradas, e manter relação com pessoas poderosas como o governador da Bahia, D. Diogo de Meneses, também desafeto do bispo, e os desembargadores da justiça.
Maria Barbosa foi excomungada por D. Constantino Barradas por três vezes, mas nas duas primeiras excomunhões conseguiu se safar com a proteção do governador e como suposta promovedora de encontros sexuais, já que mantinha contato com pessoas poderosas da colônia, entre elas os desembargadores da Relação e conseguia tirar proveito disso. O bispo fez três visitações na Bahia nos anos de 1609, 1610 e 1612, nas quais foram denunciadas as culpas de Maria Barbosa.
No dia oito de janeiro de 1611 foi promulgada a sentença contra Maria Barbosa pelo Juízo Eclesiástico da Bahia, sendo condenada em razão dela não frequentar missas aos domingos e dias santos, trair o marido, dar alcouce em sua casa e pela fama de feiticeira.
Foi presa somente em 1612 e posteriormente enviada pelo Prelado para o Tribunal do Santo Ofício em Lisboa.
No caminho de volta o barco foi assaltado por piratas e Maria Barbosa abandonada a própria sorte em Gilbraltar, tendo mendigado pela Andaluzia até conseguir retornar a Portugal.
Julgada em Lisboa em 1614, uma de suas testemunhas, Francisco Carvalho, 42 anos, viúvo, morador da Bica de São Belo, em Lisboa, ajudante do governador no Brasil, foi muito sucinto no depoimento informando que a ré era uma boa cristã.
Sua pena foi leve e foi proibida de voltar à Bahia. A vida de Maria Barbosa mostra como era a circulação de pessoas, crenças e práticas num mundo, à época, essencialmente masculino e controlado pela inquisição. A história daria um belo filme.
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